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Amapá e o jeito de ser do povo daqui

Saiba como se formou a identidade regional e qual foi a influência da criação do ex-Território Federal neste processo.

Por Da Redação
13/09/2017 16h55

Não é só um capítulo da história republicana brasileira, mas a visibilidade de um povo que veio construindo o próprio caminho desde cedo

Há quem diga que o Amapá era um, antes da criação do ex-Território Federal em 13 de setembro de 1943 – quando ele foi desmembrado do Pará – e virou outro, após essa data. Mas, há quem também defenda a desconstrução dessa ideia ressaltando que, desde cedo, o amapaense veio construindo o seu próprio caminho.

É o caso da historiadora Maura Leal da Silva. “O Amapá não é uma terra sem história como é colocado por algumas pessoas, de que não existia nada antes da criação do ex-Território. Já existia uma população vivendo aqui, uma ocupação, uma história. E isso precisa ser levado em consideração”, defende ela, reforçando a importância de se conhecer o passado para compreender o presente.

O desmembramento do Pará se desenha, então, como um capítulo da história republicana brasileira não apenas, para a formação do território nacional como, sobretudo, para dar visibilidade à criação da identidade de um povo que ficou conhecido pela sua resistência, antes mesmo de 1943. E com um jeito todo peculiar de ser amapaense.

Jeito esse cantado pelos compositores amazônidas Joãozinho Gomes e Val Milhomem que expressam o amor por essa terra em versos emocionados: “Quem nunca viu o Amazonas / Nunca irá entender a vida de um povo / De alma e cor brasileiras / Suas conquistas ribeiras / Seu ritmo novo / Não contará nossa história por não saber e por não fazer jus / Não curtirá nossas festas tucujus / Quem avistar o Amazonas, nesse momento, e souber transbordar de tanto amor / Este terá entendido o jeito de ser do povo daqui / Quem nunca viu o Amazonas / Jamais irá compreender a crença de um povo / Sua ciência caseira, a reza das benzedeiras, o dom milagroso”.

Identidade regional

Essa e outras canções de compositores locais surgiram entre as décadas de 1980 e 90, conta a historiadora Maura Leal, quando o Amapá estava prestes a se tornar Estado, daí o surgimento do que hoje se conhece por MPA (Música Popular Amapaense). Pois, essas canções afloraram o sentimento de amapalidade, principalmente, na década de 1990.

“Em 1988, quando se lança a proposta de transformar o território em Estado, defendida por políticos locais, a justificativa que eles vão buscar é exatamente a de que a região já tinha a sua identidade regional fundamentada, de que ele já se diferenciava de outros estados. E essa defesa era justificada com a ideia da integração. O Amapá é brasileiro como qualquer outro estado. Então, enquanto qualquer outro estado, ele também tem o mesmo direito. Ele deve ganhar as mesmas condições dentro desse debate”, esclarece Maura Leal.

E um dos exemplos da característica de resistência é a cultura do marabaixo, que nasceu em Mazagão e ganhou grande repercussão em Macapá, através do mestre Julião Ramos e dona Gertrudes Saturnino. Juntos, nos bairros Laguinho e Favela, eles deram vida a essa manifestação e a cultivaram com muita fé, amor e devoção. O relato é de Danniela Ramos, bisneta de Julião Ramos, que ajuda a manter viva essa tradição no Amapá.

“Mesmo quando o marabaixo quis morrer, por conta de falta de incentivo, preconceito e discriminação que sofremos até hoje, o nosso povo sempre resistiu, lutou pra que essa cultura se mantivesse viva através da fé e devoção aos santos homenageados e amor por essa cultura”, conta Danniela. É que, em todo o Estado, o marabaixo é uma grande homenagem aos santos padroeiros das comunidades negras e se consagrou como a maior e mais autêntica manifestação cultural do Amapá.

Ex-Território

Ainda com relação à ideia de que tudo mudou no Amapá, após a criação do ex-Território Federal, Maura Leal conta que ela é sustentada porque, de fato, foi uma época efervescente, quando houve a abertura de ruas, construção de hospitais e prédios públicos que abrigariam a estrutura administrativa que se formava. “Dos governadores que passaram pelo Amapá, os que mais receberam recursos foram Janary Nunes [1943-1955], Ivanhoé Martins [1967-1972] e Annibal Barcellos [1979-1985]. Foram os períodos em que o Amapá mais se desenvolveu, principalmente, a cidade de Macapá”, ressalta a historiadora.

Ela conta ainda que, a ideia de criação dos territórios federais dentro da política brasileira sempre veio com a visão de que eram etapas preparatórias, transitórias. Não eram períodos permanentes, mas, sim, temporários até que estas regiões pudessem se manter economicamente, uma vez que, manter estas regiões como territórios era muito dispendioso para a União, de onde vinham os recursos. O que não é muito diferente dos dias atuais, quando o Amapá, mesmo transformado em Estado em 1988, continua dependente de recursos do governo federal.

“A quantidade de pessoas que vieram para o Amapá atraídas pela promessa da criação dessa nova unidade política, porque aqui tinha emprego, é enorme. E o Território vai empregar muita gente deixando essa herança quando o Amapá vira Estado. Tanto que, até hoje, uma característica local muito forte é uma quantidade excessiva de funcionários públicos. Quase todo mundo depende do Estado”, compara Maura.

A historiadora também reforça que o projeto de Território Federal levou uma migração muito grande de pessoas pra dentro da capital, inchando a cidade, colocando Macapá entre as capitais com um número muito alto de habitantes, comparada a outras capitais do país. “Mas, é uma cidade pouco desenvolvida, com pouca estrutura, muitas pontes, porque as pessoas encontraram nesses espaços as possibilidades de moradia, bairros com extrema dificuldade estrutural. Pode não parecer, mas são heranças deixadas pelo ex-Território”, lembra.

Cultura

O jeito de ser do povo daqui, às vezes, se confunde com o jeito de ser do povo de lá, do Pará. O desmembramento das terras do Estado paraense trouxe costumes, linguagem, gastronomia, religiosidade e música que foram incorporados à cultura local.

É o caso do Círio de Nazaré, que se tornou uma das mais importantes manifestações religiosas do Estado, sendo celebrado há 83 anos, quando o Amapá ainda era parte do Pará. E até hoje arrasta multidões pelas ruas e avenidas de Macapá.

Aqui também se encontram comidas típicas paraenses como o vatapá e o tacacá. Mas, sempre com um toque amapaense, como por exemplo, o famoso camarão no bafo, que ganhou até festival só pra ele no Amapá. Dizem que ele se popularizou a partir da praia de Fazendinha pela maneira como ele é servido: com pimenta ou tucupi e a farofa.

Outra influência dos paraenses é o ritmo melody que, inclusive, já tem representação do movimento com a Federação das Equipes e Fã-Clubes de Melody (Fefam). Estas e outras heranças como, até mesmo o jeito de falar, rememoram a história dos amapaenses.

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